A água é considerada um recurso natural indispensável para a vida e para os inúmeros processos a ela relacionados, sendo a substância mais comum existente na natureza. Desde a origem da vida na Terra, esse recurso tem sido imprescindível, pois de acordo com a teoria que melhor explica o surgimento dos organismos, a quimiossíntese, as primeiras formas de vida teriam se originado nos mares primitivos (DIAS, 2004).
Ao longo dos processos evolutivos, uma das estratégias de sobrevivência de muitos organismos foi a conquista do ambiente terrestre, mas, para que isso acontecesse, precisaram desenvolver mecanismos que, de alguma forma, permitissem o contato ou a absorção direta da água para manutenção das atividades metabólicas. As plantas vasculares tiveram maior sucesso na conquista do ambiente terrestre por apresentarem órgãos mais bem adaptados, quando comparadas às plantas avasculares, que se mantiveram tanto restritas aos ambientes mais úmidos quanto estruturalmente menos desenvolvidas, por serem menos especializadas para a obtenção de água.
Com a espécie humana, não foi diferente; o sucesso evolutivo e adaptativo também está associado ao domínio e ao manejo da água. Em termos globais, a água sustenta toda a agricultura, e cerca de 69% da reserva captada é destinada para esse fim, enquanto que para a indústria os percentuais são de aproximadamente 23% e para o uso doméstico, de cerca de 8%. No Brasil, os valores médios obtidos são 70%, 20% e 10% respectivamente (PHILIPPI JR & PELICIONI, 2005; MILLER JR, 2007).
Apesar da abundância da água na biosfera, cobrindo cerca de 70% do planeta, esse recurso não está diretamente acessível ao ser humano. Do total de água do planeta, 97% está nos oceanos, e, portanto, imprópria para muitas formas de vida, a menos que passe por processos de dessalinização. Da parte restante, aproximadamente 2% formam as geleiras, indisponíveis para o consumo; isso significa que o remanescente é o recurso de água doce disponível para a garantia das atividades humanas. A tabela 1 (PHILIPPI JR & PELICIONI, 2005) mostra a distribuição da água no mundo.
Corpo de água
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Volume (milhares/k³)
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% do total de água
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Oceanos
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1.370.000
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97,61
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Calotas e geleiras
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29.000
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2,08
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Água subterrânea
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4.000
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0,29
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Lagos de água doce
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125
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0,009
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Lagos salinos
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104
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0,008
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Umidade do solo
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67
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0,005
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Rios
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1,2
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0,00009
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Vapor de água atmosférica
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14
|
0,0009
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Tabela 1: Distribuição da água no planeta Terra.
Nem todo o percentual de água pode ser tomado como reserva. Deve-se lembrar que, do total de água doce no planeta, 76,6% encontra-se em geleiras e 22,7% está no subsolo, indisponível para extração e consumo diretos. Apenas cerca de 0,5% do total de água doce torna-se reserva, ou seja, o que de fato podemos explorar e utilizar para a garantia de nossas necessidades (BRAGA et. al., 2002; PHILIPPI JR & PELICIONI, 2005). Desse pequeno percentual, 52% estão em lagos, 36% na umidade do solo, 7,1% na atmosfera, 3,5% nos rios e 1,4% nos seres vivos (OXFORD, 2011: 84).
Conforme se observa, as reservas de água para a garantia das necessidades humanas representam uma parte bem pequena do total existente no planeta. No entanto, essa quantidade seria suficiente para atender a todos, se considerarmos que a natureza dispõe de mecanismos que mantêm a estabilidade e a qualidade desse percentual no ambiente através do ciclo da água na natureza, como vemos na figura 1 (http://ga.water.usgs.gov/edu/watercycleportuguese.html). A maneira pela qual temos lidado com essa reserva, porém, tem nos colocado em situação de vulnerabilidade, uma vez que a qualidade e a quantidade de nossas reservas hídricas têm-se reduzido (DIAS, 2004).
Figura 1: Ciclo da água.
Quando consideramos que o total de água precipitada durante as chuvas deveria distribuir-se em três partes, sendo 1/3 percolado para os lençóis subterrâneos, 1/3 absorvido pelos corpos dos vegetais e retido pelo solo, desencadeando posteriormente o processo denominado evapotranspiração, e o 1/3 restante proveniente do escoamento superficial e direcionado para os rios, lagos, mares e demais corpos d’água, conseguimos compreender que alterações antrópicas como o desmatamento e a urbanização alteram significativamente a dinâmica e a disponibilidade da água e do ciclo hidrológico.
Assim, a atual discussão sobre a crise hídrica, fundamenta-se não apenas na quantidade de água disponível para o consumo, mas também na qualidade desse recurso, pois, ao longo do tempo, houve alterações ambientais que influenciaram na distribuição da água em cada um dos terços apresentados, como é o caso da impermeabilização dos solos, que diminui a infiltração da água no solo. Outro fator é a diminuição das áreas verdes, com os processos de desflorestamento que interferem na capacidade de percolação da água no solo.
Desse modo, a água que deveria ser distribuída após a precipitação escoa para os corpos de superfície, desencadeando outros problemas como as inundações em zonas urbanas. Como sabemos, os corpos de superfície são as reservas de onde retiramos a água disponível para a utilização humana e os mesmos lugares onde costumamos lançar nossos dejetos, sejam de natureza doméstica ou industrial, consequentemente deteriorando a qualidade da água ofertada para o consumo. Diminuem-se também os locais que servem de mananciais.
Percebemos então, que tanto alterações ambientais que interferem no regime de chuvas, ou seja, no ciclo hidrológico quanto a emissão de efluentes nos corpos d’água são motivos de preocupação para a humanidade. Diversas áreas no mundo, como o Sahel e o leste da China, sofrem com o déficit hídrico ou com o estresse hídrico, já que ainda é grande o número “pessoas [que] não têm água potável para beber e sofrem de doenças causadas pela poluição e por organismos que se desenvolvem na água” (OXFORD, 2011: 84) – a estimativa é que, em 2008, “884 milhões de pessoas não tenham água potável e 2,6 bilhões não tenham saneamento básico” (loc. cit.).
As características físicas da água são densidade, calor específico, transparência e tensão superficial. A densidade da água torna-se variável em função da temperatura. No estado líquido o maior valor de densidade é encontrado entre 0°C e 4°C. Já no estado sólido, a água é naturalmente menos densa; essa característica permite a presença de vida mesmo em águas de regiões muito frias, pois o congelamento da superfície impede a repetição desse processo em águas mais profundas, mantendo-se as condições necessárias para a vida.
Por ser elemento de fácil absorção de calor, deve-se atentar para a manutenção do calor específico da água, pois alterações podem interferir na sobrevivência de organismos. Quando efluentes aquecidos são liberados na água, por exemplo, sua viscosidade é diminuída, prejudicando a flutuabilidade de organismos como os fitoplânctons. Estes são, por conseguinte, afastados das zonas mais iluminadas, o que os impedem de absorverem luz e realizarem os processos fotossintéticos, levando-os à morte.
Mudanças na transparência da água causam fenômeno bastante similar, pois a turbidez impede a entrada do comprimento de onda necessário para a fotossíntese dos autótrofos, inviabilizando a síntese dos compostos orgânicos. Por fim, a água também apresenta tensão superficial, que é quebrada por intermédio da presença de detergentes. Esses elementos fazem com que as moléculas de água se desagreguem; por sua vez, isso destrói o hábitat de muitas espécies que vivem sobre elas, prejudicando as dinâmicas dos ecossistemas relacionados.
Do ponto de vista químico, a água tem importante valor, pois é considerada solvente universal, o que a torna especial, pois substâncias sólidas, líquidas e gasosas podem ser diluídas por ela. Isso significa que diferentes organismos podem dela depender e nela se desenvolver, pois tanto gases como sais minerais que sustentam a vida podem estar dissolvidos em água. No caso do ser humano, basta lembrarmos da função que o sangue e a urina exercem no corpo. Quanto às plantas, os nutrientes do solo estão dissolvidos em água.
Biologicamente, se houver a dinâmica ideal entre processos físicos e químicos, consequentemente haverá a presença de organismos e a manutenção de cadeias alimentares dos mais variados grupos. Basta lembrar, outrossim, que a vida na Terra se originou na água, e que esta é a substância que existe em maior parte nos seres vivos. No caso do corpo do ser humano, representa 70% do seu peso. Além disso, a água transporta sedimentos que regulam a própria fertilidade de solos de extensas áreas no planeta.
Não há vida sem água, mas, pelos níveis de poluição, parece que o ser humano esqueceu disso. De acordo com Philippi Jr e Pelicioni (2005), o conceito de poluição está associado à diminuição da qualidade da água disponível para o uso, com alteração de suas características e consequente prejuízo para quaisquer usos. Miller Jr. (2007) a define em função de quaisquer alterações em suas propriedades, tornando a água inadequada para o consumo e afetando os organismos vivos nela presentes.
Braga et. al. (2002) acrescenta que poluição ocorre tanto por interferências naturais quanto antrópicas. Já para Branco (1997), poluição pode ser definida como a inserção de excessiva matéria ou energia em um ambiente, alterando as dinâmicas da composição e estrutura sistêmicas. Assim, o conceito pode ser amplo, mas está intimamente ligado a alteração do meio abiótico, interferindo na permanência do meio biótico e com a restrição ao uso desse recurso.
A poluição dos recursos hídricos está diretamente associada aos diversos usos a eles associados, bem como à ocupação destinada ao solo. As fontes poluidoras são classificadas de acordo com a origem: poluição natural, poluição por esgoto doméstico, poluição por efluentes industriais, e poluição por drenagem em áreas agrícolas ou urbanas (PHILIPPI JR & PELICIONI, 2005). Pode trazer inúmeros prejuízos para a biodiversidade presente nos ecossistemas aquáticos, causando desde a diminuição do número de indivíduos até a perda da riqueza em espécies.
Os processos de degradação são ocasionados através da alteração dos aspectos químicos e físicos ideais para suportar os elementos biológicos. Essas alterações decorrem do lançamento de poluentes: orgânicos biodegradáveis, recalcitrantes ou refratários (não biodegradáveis), metais, petróleo e derivados, detergentes, nutrientes em excesso, calor, radioatividade e defensivos agrícolas, entre outros. Essas substâncias podem interferir nos mecanismos bioquímicos do ecossistema, atingindo cadeias alimentares que sofrem desestabilização nos diferentes níveis tróficos (produtores, consumidores e decompositores).
Esse fato pode ser verificado quando ocorre o excesso de matéria orgânica na água, estimulando o aumento de seres decompositores aeróbios para a decomposição dos nutrientes, e que passam a consumir maiores quantidades de oxigênio, com a alteração da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) (BRAGA et. al., 2002). Com isso, os decompositores passam a competir com outros organismos aquáticos, e por possuírem baixa demanda de oxigênio acabam provocando a morte de peixes e outros elementos, no fenômeno anteriormente comentado da eutrofização.
Poluição natural é proveniente da lixiviação e carreamento de sedimentos e de compostos orgânicos animais e vegetais depositados nas águas de superfície, mas, em geral, não causam alterações severas na estrutura química, física e biológica da água (PHILIPPI JR & PELICIONI, 2005). Quando a poluição é causada por agentes biodegradáveis e em quantidades toleráveis, os rios e cursos de água podem se recuperar em curto prazo através da diluição da substância nas águas, e da degradação da matéria orgânica por bactérias decompositoras (MILLER JR, 2007).
O esgoto doméstico ainda é um dos grandes desafios a ser enfrentado pelas cidades, pois a falta de saneamento básico atinge uma parcela populacional significativa em nosso país, com precária rede de coleta e inadequado destino para o esgoto. Com o crescimento e desenvolvimento das cidades, os cursos d’água passaram a ser o destino final dos resíduos provenientes das atividades humanas, os quais muitas vezes não são tratados antes de serem lançados nos afluentes. O impacto desses resíduos dependerá da concentração dos elementos depositados e da capacidade de depuração do corpo receptor.
A poluição gerada a partir das atividades desenvolvidas pela indústria depende exclusivamente do segmento industrial pertencente, de forma a atingir diferentes níveis de concentração de substâncias tóxicas, de metais pesados, de matéria orgânica e de agentes patogênicos, entre outros materiais. Dos impactos negativos provenientes desse segmento, podemos exemplificar com a poluição causada pela indústria petrolífera nos oceanos – calcula-se que cerca de 300 mil toneladas de óleo sejam anualmente despejadas por petroleiros nos oceanos, tanto através de naufrágios, quanto por acidentes ou procedimentos intrínsecos à atividade (BRANCO, 1997).
Dentre esses procedimentos, é comum o enchimento e o esvaziamento dos tanques de óleo com água dos oceanos, pois permite a estabilidade dos petroleiros no mar após aliviarem suas cargas (BRANCO, 1997). Os hidrocarbonetos orgânicos voláteis do petróleo causam a morte de peixes, moluscos, crustáceos, algas e quaisquer outros organismos que sejam vulneráveis. Substâncias químicas no petróleo, similares ao alcatrão, tornam-se flutuantes na superfície das águas e atingem aves e mamíferos marinhos, recobrindo as penas e pele desses animais. Essa cobertura de petróleo destrói o isolamento natural desses animais, que perdem a capacidade de flutuação, e, por fim, afogam-se ou morrem por hipotermia.
A poluição das águas em zonas rurais é causada principalmente pelo uso de herbicidas e fertilizantes agrícolas sem adequado manejo, como já mencionamos. Essas substâncias químicas podem atingir, outrossim, as águas subterrâneas. Nas últimas décadas, a exploração destas tem crescido aceleradamente, embora esteja limitada à viabilidade econômica de extração e à quantidade e qualidade de água a ser extraída. Se não houver o devido cuidado com o uso e ocupação do solo em regiões onde esses aquíferos se localizam, as águas subterrâneas tornam-se passíveis de serem poluídas por uma infinidade de produtos químicos, sendo difícil a diluição ou a dispersão desses elementos.
Produtos como gasolina, petróleo, solventes de tintas, solventes orgânicos e substâncias provenientes da deposição inadequada de lixo podem levar ao comprometimento das reservas. As águas subterrâneas possuem menores concentrações de oxigênio, menores populações de decompositores e temperaturas mais baixas, o que dificulta a autodepuração dos elementos contaminantes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Braga, B.; Hespanhol, I.; Conejo, J.G.L.; Barros, M.T.L.; Spencer, M.V.; Porto, M.F.A.; Nucci, N.L.R.; Juliano, N.M.A.; Eiger, S. Introdução à engenharia ambiental. São Paulo, Prentice Hall, 2002. 305p.
Branco, S. M. O meio ambiente em debate. São Paulo, Moderna, 1997.
DIAS, G. F. Educação ambiental – princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 2004.
Miller JR, G. Tyler. Ciência ambiental. Tradução: All Tasks; revisão técnica Welington Braz Carvalho. São Paulo, Cengage learning, 2007.
OXFORD UNIVERSITY. Atlas of the world. 18th ed. London: Oxford University Press, 2011.
PHILIPPI JR, Arlindo; PELICIONI, Maria Ccilia Focesi. Educação ambiental e sustentabilidade. Barueri: Manole, 2005.